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13 de julho de 2011

O mito Frida Kahlo









Mais de meio século depois de sua morte, uma artista do México permanece em evidência como um mito e uma das maiores personalidades da América Latina de todos os tempos. Precoce, inteligente e libertária, fruto de um casamento infeliz, afetada por poliomielite com apenas seis anos, vítima de um acidente de bonde que a impossibilitou de ter filhos, fascinada pelas cores fortes, características de seu país, muito alegre e sensível, a artista e militante política de esquerda que virou sinônimo de superação e que detestava o rótulo de surrealista produziria em pouco tempo obras de arte, na maioria autorretratos, que encantaram e ainda encantam meio mundo. Mais de 100 anos depois de seu nascimento, livros inéditos e relançamentos resgatam a vida e a obra genial produzida por Frida Kahlo (1907-1954).

Chegaram às livrarias, entre vários outros, os inéditos "Diego e Frida" (Editora Record), biografia escrita pelo francês Jean-Marie Gustave Le Clézio, Prêmio Nobel de Literatura em 2008; "Frida Kahlo, Suas Fotos" (Cosac Naify), organizado pelo fotógrafo mexicano Pablo Ortiz Monasterio; "Frida: A biografia" (Editora Biblioteca Azul), da norte-americana Hayden Herrera, que quando foi publicada nos Estados Unidos e na Europa em 1983 provocou um grande interesse pela vida e obra da artista; "Frida Kahlo" (Editora Objetiva), estudo biográfico da argentina Christina Burros (que parte de 120 fotografias, pinturas, desenhos e cartas mais íntimas); e o infanto-juvenil "Frida Kahlo" (Callis Editora), da espanhola Carmen Leñero, que revela em linguagem poética as belas obras e o encanto pessoal da artista.

Além dos inéditos, há dezenas de relançamentos. Para citar somente alguns: as edições nacionais de "Cartas Apaixonadas de Frida Kahlo" (Editora José Olympio), compilação de cartas que a artista escreveu para namorados, amigos e familiares feita por Martha Zamora, conhecida biógrafa de Frida; "O Diário de Frida Kahlo", também em edição da José Olympio; "Frida Kahlo" (Editora Ática), biografia ilustrada escrita pelo norte-americano Jill Laidlaw; e o infanto-juvenil "Frida" (Cosac Naify), de Jonah Winter e Ana Juan, sobre sua infância e sua adolescência, antes da descoberta de seu talento para as artes.














Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón:
no alto, Frida veste azul, fotografada em
1939 por Nickolas Muray. Acima, Frida na
praia, em 1925, aos 18 anos, quando começou
a estudar desenho e modelagem com
Fernando Fernandez. No final daquele ano,
ela sofreria um grave acidente: o bonde no
qual viajava chocou-se com um trem, o
para-choque de um dos veículos perfurou
suas costas e atravessou sua pélvis. Ficou
meses entre a vida e a morte no hospital,
passou por várias cirurgias. Durante o
tratamento, adotou o nome Frida Kahlo
e começou a pintar, usando uma velha
caixa de tintas de seu pai e um cavalete
que foi adaptado à sua cama.

Também acima, Frida fotografada em
1932 e 1933 por seu amado Diego Rivera,
com quem ela se casou em 1929; e em um
de seus primeiros autorretratos, também
pintado em 1929.
Abaixo, um dos retratos da
infância da 
artista, fotografada aos 4 anos,
em 1911, e no álbum de família, em 1926,
em fotografias do pai, Guillermo Kahlo; e Frida
em 1939, em fotografia de Nikolas Muray
no jardim de cactos que ela cultivava na
Casa Azul, em Coyacan, Cidade do México,
onde morava com Diego Rivera














"Ela se tornou primeiro uma lenda, depois um mito e agora uma personalidade venerada", registra Le Clézio em "Diego e Frida" (Editora Record). Na biografia, Le Clézio conta a história de Frida precedida pela de seu amado Diego Rivera (1886-1957), outro nome central da arte da América Latina. Frida conhece Diego em m 1928, quando ela entrou para o Partido Comunista do México. Os dois se casam oficialmente no ano seguinte e Diego provoca grande transformação na arte de Frida, que adota propositalmente um estilo na época reconhecido como ingênuo. Mas é um “falso naif”, como define Le Clézio, no qual a artista procura afirmar a identidade nacional de seu país – por isso adotava com muita frequência temas do folclore e da arte popular do México. 



Experiência de dor e solidão



"É a história de um casal fora do comum desde o primeiro encontro", explica o autor. "O passado sombrio de Diego, a experiência de dor e solidão de Frida, o envolvimento deles com a revolução, a relação de ambos com Trotsky e Breton, enfim, é a história de um casal fora do comum na renovação do mundo da arte", completa. No prólogo à biografia, Le Clézio destaca que a história de Diego e Frida – "essa história de amor inseparável da fé na revolução" – ainda hoje vive porque ela vem se mesclando à luz particular do México.

"Uma história de amor que se mescla ao rumor da vida cotidiana, ao cheiro das ruas e dos mercados, à beleza das crianças nas casas empoeiradas, a essa espécie de langor nostálgico que se prolonga no crepúsculo sobre os antigos monumentos e sobre as mais velhas árvores do mundo", aponta, destacando que as imagens que nos deixaram Diego e, especialmente, Frida, continuam fortes e necessárias. "Na história do México, Diego e Frida continuam brilhando como brasas vivas, e sua incandescência são as joias puras das crianças carentes", conclui Le Clézio.
















Os biógrafos e os pesquisadores da História da Arte são unânimes: talvez nenhum outro artista plástico tenha feito uma exposição de seu universo interior de forma tão arrebatadora quanto a mexicana Frida Kahlo. Usando cores fortes e carga dramática intensa, ela contou com sua pintura - sobretudo os autorretratos - as dores e os amores de sua vida, e assim se tornou uma das artistas mais populares de todo o mundo. 



Valor e influência



Sua história de vida é dramática. Com sete anos contraiu poliomielite e ficou acamada por nove meses, de onde saiu com a perna direita atrofiada e manca. Aos 18, teve um terrível acidente de bonde, mas por milagre sobreviveu para fazer arte, ainda que convivendo com dores constantes enquanto viveu. Para críticos e historiadores da arte, suas pinturas estão entre as mais belas e originais jamais criadas - são um monumento ao seu espírito indomável e à sua força de vontade.










O mito Frida Kahlo: acima, duas fotografias
da artista e militante política de esquerda em
1930 feitos pela fotógrafa Imogen Cunningham,
um deles utilizando Autocromo, uma antiga
técnica de produzir fotos coloridas inventada
em 1903 pelos irmãos Lumière que exigia
um longo tempo de exposição imóvel diante
da câmera. Abaixo, em 1941, fotografada
pelo colombiano Leo Matiz – com Frida nos
jardins da casa no México em que morou
com seu companheiro Diego Rivera.

Além das centenas de pinturas e
desenhos que produziu e que alcançam
atualmente recordes de preço em grandes
casas de leilões, Frida também foi entusiasta
da fotografia e posou para os principais
fotógrafos de sua época. Quando morreu,
em 1954, aos 47 anos, ela deixou um acervo
valioso que reúne mais de 6 mil fotografias
que durante décadas permaneceram inéditas
só recentemente têm sido reveladas ao
público. Também abaixo, Frida ao sol, no
jardim de sua casa em Coyacan, em duas
fotografias de 1949 de Diego Rivera













"Ela é maravilhosa. Conseguiu o que todo artista deve fazer, que é expressar a sua própria dor para expressar a dor do mundo. Frida está para lá de atual", aponta Yara Tupinambá, fazendo coro unânime entre outras artistas plásticas de Belo Horizonte ouvidas pela reportagem. Além de Yara, três outras artistas e autoridades no assunto - Mônica Sartori, Thais Helt e Maria Helena Andrés - concordam quanto à genialidade de Frida, quanto a sua importância histórica e sua atualidade como nome da arte moderna e contemporânea.

Frida produziu uma obra muito complexa e carregada, como toda grande obra de arte, que por sua vez é a tradução de uma intensa experiência de vida”, destaca Thais Helt. “A arte que ela produziu tem efeito trágico e, ao longo do tempo, tem ficado mais conhecida e  valorizada. A arte de Frida Kahlo está muito presente em nossa época e atualíssima”.

Mônica Sartori prefere definir a artista pela imagem do coração, uma das metáforas preferidas da própria Frida. “Ela era um coração aberto para a vida, uma mulher de imensa força e muito digna que conseguiu, através da obra de arte, transpor todas as dificuldades e iluminar o amor e a poesia. Frida é uma grande artista e uma grande mulher que será eternamente contemporânea”.

"Depois dela vieram outros nomes do Brasil e da América Latina que avançaram principalmente na discussão do suporte da arte, como os brasileiros Lygia Clark e Hélio Oiticica. Mas Frida Kahlo produziu uma pintura muito forte, figurativa, que mantém seu valor como ícone do presente", destaca Maria Helena Andrés.







Popularidade e atualidade



Uma prova da popularidade e atualidade de Frida são as exposições permanentes em museus do mundo inteiro, além das centenas de livros, reverências na cultura pop por estrelas de primeira grandeza, de Andy Warhol e Litchenstein a Madonna e Pedro Almodóvar - e até um filme "cult" que foi campeão de bilheterias: "Frida", de 2002, dirigido pela norte-americana Julie Taymor, com Salma Hayek vivendo Frida e Alfred Molina como Diego Rivera. Curioso é que a brasileira Gloria Pires foi o primeiro nome contratado pela produção. Na época morando nos Estados Unidos, Gloria Pires foi trocada por Salma Hayek no último momento.

"Nos Estados Unidos, tudo funciona como a música de Caetano, onde o branco é branco, o preto é preto e a mulata não é a tal'", revela Gloria na recém-lançada biografia "40 Anos de Gloria" (Geração Editorial). "Eles levam a sério a questão racial e, como não consideram o Brasil um país latino, acharam que seria indelicado, porque Frida é um mito mexicano. Interpretá-la aqui no Brasil era uma coisa, nos Estados Unidos, onde a cultura latina é bem corporativa, seria outra. Então, o projeto foi abortado", lamenta a atriz, no capítulo intitulado "Um Veneno Nada Suave".

A popularidade de Frida começou a crescer quando, em 1929, ela se casou com Diego Rivera - que se dedicou a grandes pinturas em murais - e tem aumentado desde a sua morte em 13 de julho de 1954. Foi em 1928, quando Frida entra no Partido Comunista mexicano, que ela conheceu Rivera. Sob a influência da obra do marido, adotou o emprego de zonas de cor amplas e simples num estilo propositadamente reconhecido como ingênuo. Procurou, na arte, afirmar a identidade nacional mexicana, por isso adotava com frequência temas do folclore e da arte popular.






















O mito Frida Kahlo: a partir do alto,
fac-símile da carta de Frida a Diego,
datada de 1940; o casal em passeata
no dia 1 de maio de 1929, no México,
em foto de Tina Modotti; Frida e Diego
em 1933, fotografados por Martin
Munkácsi; Frida e Diego em 1929,
fotografados por Victor Reyes;
e Diego e Frida em 1934, 
no México.

Abaixo: 1) Frida no jardim, em
fotografia de 1943 de Florence Arquin;
2) Frida e Chavela Vargas
, fotografadas
por Diego Rivera; Frida e Chavela viveram
uma história de amor enquanto Frida era
casada com Diego; 3) intervenção digital sobre
um retrato de Frida feito em 1944 por
Lola Álvarez Bravo (1903-1993), a primeira
fotógrafa a atuar no México; 4) Frida com
Leon Trotsky, o líder 
revolucionário
soviético, 
fotografados no México em 1937;
e 5) Frida no ateliê da Casa Azul, em 1932,
pintando um de seus mais famosos autorretratos,
Autorretrato en la frontera entre
México y Estados Unidos
 























A vida cotidiana de Frida está em destaque em "Frida Kahlo, Suas Fotos" (Cosac Naify), que traz a público o acervo de fotografias e objetos que por sua vontade ficaram trancados no banheiro da Casa Azul, onde ela morou muitos anos com Rivera. Depois de 50 anos, o acervo foi liberado pelos herdeiros e cerca de 400 fotos desconhecidas do público foram incluídas na publicação. 



Pintura de imagens fortes



Como todo álbum pessoal de fotografias pode revelar muito sobre uma pessoa, no caso de Frida descobrem-se desde o olhar terno da juventude até o tipo de pose e os interesses da fase adulta. São imagens fortes, pinturas carregadas daquela espécie de "punctum" que o Roland Barthes de "A Câmara Clara" identificava somente nas melhores fotos. Com Frida, as imagens fazem ainda mais: mostram influências, enquadramentos, personagens e toda uma vida fundamental para a construção de uma obra.









A publicação da Cosac Naify chega às livrarias simultaneamente no Brasil e no México, terra-natal da artista, além de França, Espanha, Alemanha, Estados Unidos, Canadá e o resto da América Latina. No livro, há várias fotos que Frida usou de modelo para pintar seus autorretratos, além de suas fotografias do álbum de família feitas pelo pai, Guillermo Kahlo, que era fotógrafo profissional e havia trocado sua terra natal, a Alemanha, pelo México, em 1891, e imagens de grandes nomes da fotografia que registraram retratos da artista, entre eles Man Ray, Brassaï, Martin Munkacsi, Edward Weston, Imogen Cunninghan, Gisèle Freund, Tina Modotti, Manuel Álvarez Bravo, Nickolas Muray, Victor Reyes, Hugo Brehme e Pierre Verger.

Já em "Diego e Frida" (Record), a prosa lúcida e envolvente de Le Clézio percorre essa estranha história de amor que se constitui e é expressa pela pintura. Frida morreu jovem, aos 46 anos, em 1954. Seu viúvo, Diego Rivera, porém, deixou instruções para que o acervo do casal não fosse aberto antes de 15 anos após sua morte.

Durante 50 anos, os documentos do casal estiveram trancafiados num banheiro da Casa Azul, onde Frida morou e trabalhou na capital mexicana, hoje um prédio que serve de sede para o Museu Frida Kahlo. No acervo da Casa Azul havia mais de seis mil imagens fotográficas, incluindo as que foram feitas por Diego Rivera, por parentes, por amigos e até algumas tiradas pela própria Frida. 













O mito Frida Kahlo: no alto, a Casa Azul
transformada em Museu Frida Kahlo, na
Cidade do México. Acima, a pintura em
óleo sobre tela Duas Fridas, de 1939, que
mede 1,73 m por 1,73 m. Abaixo, Frida
fotografada por Nickolas Muray em quatro
momentos: em 1939, finalizando Duas Fridas;
na Casa Azul, em 1939; em 1938, em três
tratamentos para o mesmo Autochromo; e em
1946, durante uma viagem a Nova York.

No final da página, Frida no jardim de
sua casa no México, em 1951, em
duas fotografias de Gisèle Freund
e um mural com imagens de Frida
instalado na entrada da Casa Azul












  







Em uma das passagens mais poéticas do texto, Le Clézio descreve em poucas palavras o fim da parceria artística e amorosa do casal quando Frida morre de repente, deixando pela casa e por todos os lugares a lembrança de sua beleza inquieta nos espelhos vazios. Mas Le Clézio não endossa a tese de outros biógrafos e pesquisadores, que com base na autópsia de Frida acreditam que ela possa ter sido envenenada por uma das amantes de seu marido, que tinham raiva dela por ela ser a esposa. Foi o fim de uma história de amor: Le Clézio destaca que Diego Rivera descreveu em sua autobiografia que o dia da morte de Frida foi o mais trágico de sua vida.

"Os últimos momentos de Diego junto de Frida são ao mesmo tempo terríveis e estranhos", completa o biógrafo, para comoção do leitor que acompanhou a história página a página. "A multidão acompanha o caixão ao longo da avenida. No momento da cremação, as chamas cercaram o rosto de Frida, desenhando grandes girassóis como se ela quisesse pintar o último retrato".


por José Antônio Orlando. 


Como citar:

ORLANDO, José Antônio. O mito Frida Kahlo. In: Blog Semióticas, 13 de julho de 2011. Disponível no link https://semioticas1.blogspot.com/2011/07/o-mito-frida-kahlo.html (acessado em .../.../...).



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